Sobre a FSN Conference e eventos acadêmicos sobre fãs

Nesta sexta, o grupo de pesquisa CultPop da Unisinos, do qual pertenço, vai realizar o encontro “15 anos de Estudos de Fãs no Brasil”. Pensando na data e refletindo sobre essa área no nosso país, resolvi fazer um resumo breve sobre a nossa participação num dos mais importantes eventos internacionais de estudos de fãs.

15 anos

Vale ressaltar que essa área é muito nova ainda. Os estudos de fãs, propriamente dito, podem ser datados a partir dos anos 1980 no cenário internacional, sendo a década seguinte mais marcada como inicial, com obras como “Invasores de textos” (“Textual Poachers”) de Henry Jenkins. No Brasil, entretanto, apenas no começo dos anos 2000 surgem as primeiras pesquisas focadas realmente em fãs (não em audiências, leitores, ouvintes…) e com preocupação em teorizar e buscar uma metodologia para estudá-los. A primeira tese que temos, para se ter noção, é do Dr. Bruno Campanella, defendida em 2010, intitulada “Perspectivas do cotidiano: um estudo sobre os fãs do programa Big Brother Brasil”, a qual inclusive recebeu o prêmio Compós de melhor tese aquele ano.

Nos últimos anos, tenho acompanhado um maior desenvolvimento desses estudos, porém, ainda há dificuldade de acesso de bibliografia, de momentos para discussão entre colegas e mesmo termos um espaço próprio para discussão, seja em eventos específicos, ou mesmo em GTs dentro de eventos já estabelecidos (o que espero que mude no futuro!). Na minha experiência, como alguém que vem estudando fãs desde 2010, chega a ser até normal eu ter que explicar o que é fã para as pessoas (e refiro-me aqui a acadêmicos mesmo), porque poucos entendem quando digo que estudo fãs, mostrando a falta de reconhecimento dessas pesquisas. A pergunta que quase sempre segue é “o que é fã?” ou “como assim ‘fãs’?”. Então, ao invés de explicar minha pesquisa, geralmente, tenho que explicar primeiro o que é um fã para as pessoas. Por isso estou muito orgulhosa pela iniciativa da minha orientadora, Dra. Adriana Amaral, por este evento na sexta, além de estar muito feliz de estar na organização e em um painel junto com meus colegas: o doutorando Eloy Vieira e a mestranda Larissa Becko.  

Essa introdução toda se faz necessária para eu poder resumir o que é participar de uma conferência como a promovida pela Fan Studies Network. Primeiro, porque dá vontade de chorar de emoção de ver tanta gente reunida, de tantos países, para falar sobre fãs! Com tantas pesquisas diferentes, seja pelos temas como pelas abordagens teórico-metodológicas, com os principais teóricos presentes entre a gente (ou como escuto dos colegas: nossa bibliografia ambulante!), não dá para não amar essa conferência! Eu tive a oportunidade de participar em dois anos consecutivos (2016 e 2017), e não posso deixar de ressaltar como foi importante para mim ter estado lá e agradecer aos organizadores pela iniciativa e pelo belo trabalho que fazem (porque não vi nada de contratempo ou desinteressante nas duas edições).

No primeiro ano que fui, eu estava mais tímida com meu inglês nunca antes posto à prova para conversação com nativos da língua inglesa mesmo (até o momento, minhas primeiras viagens ao exterior se devem ao FSN para ir à conferência) e acabei não conversando tanto com os colegas de outros países. Em 2016, tive o prazer de fazer parte da mesa temática “Pls come to Brazil: Fan Studies and transcultural perspectives on brazilian digital fandoms and haters” com a doutoranda Camila Monteiro, Dra. Simone Pereira de Sá e Dra. Adriana Amaral.

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Painelistas do “Pls come to Brazil” no FSN Conference 2016. Detalhe atrás: a fachada do prédio da East Anglia University, em Norwich, onde aconteceu o evento, foi utilizada para os filmes dos Vingadores como seu quartel general.

Nela, apresentei uma pesquisa que trazia as indagações para a reformulação do meu projeto de tese. O título é “Transcultural fandom: fans and industry in Brazilian Whovians”. E foi ali que comecei a indagar sobre a relação entre indústrias e fãs, chegando ao fandom de romances femininos e sua relação com as editoras brasileiras, foco da minha pesquisa para o doutorado.

Este ano apresentei parte da minha tese com minha orientadora, Dra. Adriana Amaral (que infelizmente não pôde ir pessoalmente), com o trabalho “Fans, objects and book identities: understanding romance novel fans in the South of Brazil”.

fsn 2017
Entre o material que recebemos na edição de 2017 estava este leque. Vale lembrar que em inglês a palavra é a mesma para fãs e leque: “fan”.

Além de ter sido para mim muito importante essa apresentação, o evento foi especial por mais dois motivos: a Fan Studies Network Conference estava comemorando 5 anos de existência e a Universidade de Huddersfield, onde se realizou a edição, anunciou que está abrindo o primeiro programa de mestrado e doutorado em estudo de fãs. Até onde sei é a primeira pós-graduação focada em fãs no ocidente, o que é um grande motivo para comemorar, assim como o aniversário da conferência.

Além da ótima organização do evento, marcou-me muito a possibilidade de trocar experiências com pesquisadores de diferentes países. Em dado momento, por exemplo, lembro-me de estar sentada numa mesa conversando com uma indiana e uma russa sobre nossas pesquisas e visões sobre as teorias de fãs, que possuem uma forte perspectiva europeia e americana.

Acho bacana também salientar e parabenizar a participação da colega Camila Monteiro, atualmente doutoranda em Huddersfield, que compôs a organização da edição de 2017, além de ter participado em outras edições. Além de destacar a apresentação do professor na UFPE, Dr. Thiago Soares, trazendo mais exemplos da América Latina, através da realidade dos fãs da Madonna em Cuba em ““Madonna, warrior like Cuba”: Political Affections of Madonna’s Fans in Cuban contexto” (escrito com Mariana Lins, que infelizmente não pode participar). 

Thiago
Prof. Dr. Thiago Soares na FSN Conference 2017 junto com outras pesquisadoras.

Ao final da FSN Conference de 2017, Matt Hills palestrou sobre os últimos 5 anos dos estudos de fãs. Em resumo, afirmou a consolidação da área, explicando como algumas práticas de fãs pesquisadas aumentaram enquanto outras foram mais marginalizadas. Principalmente no que tange as questões de pirataria, gênero e etnia e classe, sendo estas duas últimas mais escassas nas pesquisas. Destacou que a pesquisa qualitativa é ainda bastante dominante, mas que a mineração de dados (“data mining”) está surgindo como uma nova metodologia (embora questione se grandes audiências, em pesquisas como sobre a Netflix, todos possam ser considerados fãs), além de dizer que novos modelos de estudos de fãs estão sendo construídos com políticas culturais variantes. E por fim, chamou a atenção que anteriormente pensava-se as comunidades de fãs como específicas e interpretativas, enquanto hoje há uma “fanização” (“fanization”), o que não necessariamente representa uma comunidade de fãs singular ou única, mas uma variedade de grupos com atividades interindependentes.

As chamadas não abriram ainda para a edição de 2018, mas fique atento no site, se você se interessar. Outra boa notícia é que agora teremos também uma edição do evento em nosso continente! A primeira edição da FSN North America Conference acontecerá em outubro de 2018 na DePaul University, em Chicago, nos Estados Unidos. As chamadas já estão abertas aqui.

Agora é sonhar com uma versão latina pra gente! Mas enquanto isso não se torna realidade, acompanhe nosso evento na sexta! Vai ter streaming ao vivo! É só colar no Facebook do grupo aqui.

 

 

Publicado por Giovana Santana Carlos

Doutora em Ciências daComunicação (Unisinos), jornalista e social media.